A videoinstalação, criada em colaboração com o artista nipo-estadunidense Bruce Yonemoto a partir do filme homônimo de Glauber Rocha, propõe uma justaposição que confronta o passado e o presente da história brasileira, assim como as tecnologias cinematográficas. No espaço expositivo, as cenas filmadas em 35mm pelo cineasta baiano são sobrepostas às imagens digitais em 4K do artista mineiro. Se as referências à produção cinematográfica brasileira permeiam a produção do artista de maneira perene, Barravento Novo é uma reverência de um dos pioneiros da arte multimídia ao Cinema Novo. Os universos de Cota e Firmino, personagens principais do filme de 1962, confluem avultados na atuação hipnotizante de Camila Pitanga, protagonista da videoinstalação de 2017, que incorpora, ao mesmo tempo, Cota e Firmino –– Barravento. (1)
Esquivando-se da mimese, Eder Santos segue à risca o grito de Firmino: a independência de Barravento Novo transparece na virtuosística edição que acompanha a fala final de Antônio Pitanga –– homenagem ao primeiro protagonista negro do cinema brasileiro e também à estética de edição glauberiana ––, ressoa no barravento (2) que integra a paisagem sonora da obra. O détournement existente na videoinstalação preserva, entretanto, a estética e narrativa contidas no primeiro longa-metragem de Glauber Rocha e realça alguns debates e tensões próprios do cinemanovismo brasileiro, os quais permanecem atuais ainda terceira década do século XXI.
Há ainda um vínculo estreito que une os universos de Glauber Rocha e Eder Santos: retratando a violência e a precariedade do terceiro mundo e refletindo sobre as camadas mais profundas entre opressor e oprimido, Barravento foi o marco inicial de um movimento que seria fortemente censurado pela Ditadura Militar no Brasil. Dado muito significativo, Barravento Novo nasceu cinquenta e cinco anos depois, num momento em que a democracia novamente era ameaçada e a cultura mais uma vez perseguida. Enquanto Aruan aponta para o oceano Atlântico em direção à África ao gritar “Nós temos que reagir!”, no filme de Glauber Rocha, a videoinstalação de Eder Santos procura nas paisagens do nosso entorno a resposta ao grito de Firmino: “A nossa hora está chegando!”. Exigindo uma postura estética e ética em relação às imagens, o artista recorda-nos que a arte se encontra sempre à barravento. (3)
1 Estado de atordoamento que precede a tomada da filha ou filho de santo pelo orixá, que neles se manifesta por cambaleios e movimentos desordenados.
2 Ritmo e um toque de atabaque utilizado na capoeira, candomblé e na umbanda.
3 Termo de origem incerta que significa o lado de onde sopra o vento.
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